quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Romance de Boliche

Eis as palavras que lhe dedico agora.

Quando os braços se livram e se deitam na parte porosa das costas, quando as mãos se desprendem e vos abrem mais um dia sem sol, sem paz. Quando o momento de partir é esperado e querido. São horas de pálido suor, cantigas de roda para adultos solitários, ladrilhos de pontos brilhantes e prateados.
Amigo, que lugar lhe prende? Que romance te espera? Quem é você?
São preciso três dedos, escolha a arma que mais te inspira. Tome distância. Corra como a garça foge do caçador, liberte teu coração e arremesse sua arma. Derrube os 12 pinos e ganhe o meu amor. Faça um romance de boliche.
Funda-me
Reduza-me
É disso que precisamos agora.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Como Estar

Das lápides que eu visitava em pensamento, algumas se tornaram apenas imagens manchadas.
Não lembro do rosto, do nome, da singularidade de cada sorriso, do tom exato de uma voz que insistia em sobressair sobre as outras, nem do tempero cru de um ou outro.

Ali, sentado no meio do vasto cemitério de amigos, incluindo cachorros, eu achei que tivesse visto você. Correndo no passeio precário e cinza, rolando na grama em falta, pulando de violoncelos para pianos, de pianos para flautas, me fazendo lhe adjetivar exageradamente como era de costume.
Mas, sabe, aquilo não existe mais. Talvez nunca tenha existido. Talvez seja insanidade minha, pensamento fértil demais, câmeras demais, olhares vampirescos em ascensão.

Se você se perguntar: Não estou bem, não estou mal.
Mas quem se preocupa?

Um beijo e uma carta em silêncio, só pra você e as lápides do teu coração.

Carnavalles



Não basta ter tudo o que se sonha,
Não adianta alcançar si bemóis ou fás com sétima sustenido maior, nem dançar piruetas escandalosas de maio ou setembro.
A dor ou a beleza de derrubar alguém é o que alimentará seu ego.

Tudo que padecia em seu estômago, pronto pra virar dejeto humano, volta como um míssil feroz e vacilante, esperando encontrar a cara do sujeito vil.
Tudo o que foi engolido, cada palavra, cada tino, cada pétala mastigada e roída, cada sêmen de discórdia, cada gota de ar engasgada...

Levar isso adiante não foi escolha minha, foi escolha do Carnaval, que me lembrou que cada folião é só mais um pierrot solitário, pulando pela alegria de outro, sonhando os sonhos de outro, alimentando o ego de outro.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

História de uns Amigos

1982
A menina de quinze anos penteava mais uma de suas bonecas loiras e caolhas. Girava no ar aquela que seria então uma de suas melhores amigas, brincava de contar segredos bobos nos ouvidos ocos e descascados pelo tempo, cantava canções de ninar para a serena boneca que mal entendia as mazelas do coração de sua dona. A mãe costurava as roupas dos bailes de carnaval, preparava a marmita do dia seguinte, olhava nos olhos da filha e desejava o mundo.
A menina que não conhecia o dia nem a noite. Buscava em cada cantinho mais uma história pra contar. Brilhava em vão, sonhava no chão. Tocava o tecido de seu mais novo vestido, sorria para a mesma boneca caolha encostada na guarda da cama. Imaginava as aulas de História, os problemas de Matemática, os erros de Português, a vírgula que esquecera de anotar naquela carta de amor.
O menino, já com vinte anos, jazia nas mãos das mulheres mais belas do bairro. Tocava e encantava com seu violão, plantava sua voz nos corações alheios.
Até a boneca já sabia.

1987
Uma mão tocou a outra, um anel dourado foi lançado à outra, cheio de promessas de uma vida que ninguém poderia imaginar. O público de 500 pessoas assistia apreensivo ao espetáculo de duas vidas se transformarem em uma apenas.

Hoje
A mesma boneca, agora sem cabelo, sem olhos, sem uma perna e sem um braço, conserva apenas seus ouvidos para a próxima alma cheia de sonhos e segredos de uma caminhada.

A Volta

Todo bom tigre à jaula volta.
Sabe da carne fresca que lhe é doada sem pedir nada em troca,
compartilha o banho sujo de seus parceiros.
Sabe da criatividade para passar o tempo,
do amor pra angariar mais visitas,
do sono pra descansar a mesma vista,
da pele pra ambicionar os ambiciosos.

Procura no próximo sua chance de mergulho interno,
com sal de praia que lhe adoce os sonhos,
com trovões de laços que prendam as lembranças,
com tintas frescas que lhe permitam pegadas.

Aqui fora, a vida está passando, contando os dias pra não ser mais vivida, entregando os pontos pra solidão. Se é de sofrimento que viveremos, então voltemos às nossas jaulas, como os tigres laranjas, sedentos por sangue, memória e pegadas.